Pesquisadores da Universidade Politécnica de Milão instalaram, com a ajuda de alpinistas, uma série de sensores especiais para captar os mínimos movimentos na montanha San Martino, em Lecco, norte da Itália.
Com esses sons, e com outras informações coletadas de maneira tradicional, os cientistas querem interpretar e estudar as prováveis consequências, analisando com rigor científico, o potencial risco de desmoronamentos.Os dados obtidos pelos aparelhos são enviados em tempo real, através de tecnologia wireless, para o laboratório a pouco menos de cem quilômetros em linha reta. O objetivo é gravar os sons emitidos pela rocha durante a ocorrência de fraturas internas.
A parede da montanha de San Martino é quase vertical e as rachaduras provocadas pela erosão da rocha estão por todos os lados. Dois sistemas foram implantados em diferentes pontos para analisar melhor o comportamento da montanha.
Cada um deles é composto por sensores que trabalham de forma independente e automática. Em uma pequena caixa, chamada de unidade inteligente (são dez no total) existem três sensores para medir o alargamento da fratura, oito servem para monitorar a inclinação da parede, três captam as micro-rupturas na estrutura da rocha, e outros quatro com funções menos importantes.
O grupo de pesquisa, depois de quatro anos de trabalho, conseguiu elaborar um programa de dados capaz de cruzar as informações tradicionais, tais como a medida da rachadura e da inclinação da superfície rochosa com os eventos detectados em tempo real graças aos sensores de última geração.
O resultado é uma fotografia instante após instante do movimento ou da inércia da montanha. Os registros no setor mais dinâmico da parede monitorada indicam cerca de 30 segundos de atividades por mês. No setor menos "nervoso" da parede esse valor cai para algo como um segundo mensal. Isso significa que o primeiro sistema é muito mais instável do que o segundo.
Aparelho na parede vertical da montanha de San Martino. (Foto: Universidade Politécnica de Milão) Tecnologia
"Antes, se instalavam sistemas fixos para verificar o alargamento das fendas existentes. Isso implica em subir periodicamente na montanha para checar o que está acontecendo e não é um método aceitável, diante do ponto de vista da previsão dos riscos, para a criação de mecanismos de alerta. Se você sobe apenas uma vez por mês na montanha vai saber apenas uma vez por mês o que está acontecendo lá em cima, e, neste meio tempo, a parede pode desabar", explicou para a BBC Brasil o professor Cesare Alippi, responsável pelo grupo de pesquisa composto por seis engenheiros nos campos da informática, eletrônica e telecomunicações.
Na realidade, a pesquisa colhe sinais inaudíveis para o homem e transforma os sons em sinais decodificados.
O processo é semelhante ao do sismógrafo usado para medir a intensidade de um terremoto. Cada ruptura na estrutura da rocha, por menor que seja, produz uma onda microsísmica. O sensor capta a vibração sonora e memoriza a informação. Depois, a transmite para ser elaborada e interpretada pelos pesquisadores.
Dependendo da direção e intensidade do fenômeno geológico, as unidades inteligentes podem ser manipuladas à distância, ou seja, o foco de atenção dos sensores pode ser desviado sem obrigar ninguém a escalar a montanha para ajustar os aparelhos montados na parede.
"O problema dos instrumentos tradicionais é que eles indicam apenas a dinâmica macroscópica da parede sob observação. Os dados são preciosos mas não acrescentam muito à causa e a evolução do evento geológico se não forem analisados com as informações das fissuras minúsculas da rocha, origem primária da fenda. A implantação de um sistema tão preciso nos obrigou a lidar com um volume de dados da ordem de 2.000 por segundo que levou a tecnologia ao limite. Neste caso, estudamos pequenos painéis solares capazes de funcionar bem, mesmo em condições de mau tempo", comentou Alippi.
O sistema automático é uma espécie de varredor da montanha e trabalha para descobrir imperfeições em andamento, capazes de comprometer o equilíbrio da pedra.
Os pesquisadores querem ir mais fundo e descobrir o ponto exato das falhas internas e a espessura delas.
"Mesmo sem saber o ponto de ruptura, mesmo que a fenda não se alargue tanto, não significa que a parede não possa desabar. Podemos medir o quanto a montanha está viva e, com a informação, predispor uma escalada de risco. Porque, e este é um problema do sistema tradicional, quando uma fenda se alarga a montanha desaba", disse Alippi.
O local escolhido para a pesquisa é uma área conhecida dos geólogos italianos. Entre as noites de 22 e 23 de fevereiro de 1969, um desmoronamento de 10 a 15 mil metros cúbicos de terra e pedras causou a morte de sete pessoas e ferimentos em três. Mais recentemente, em 1994, após uma série de temporais, o fenômeno se repetiu sem provocar vítimas. Pequenos desmoronamentos são comuns e os sensores cobrem o espaço limite à região atingida pelos eventos precedentes.
Geólogo italiano analisa dados como o alargamento de fendas. (Foto: Universidade Politécnica de Milão) Encostas
A pesquisa faz parte do projeto PROMETEO, iniciais em italiano para Proteção Pública Metodologia e Tecnologia Operativas. Dele faz parte a Universidade Suíça Italiana e o grupo de Análise de Riscos Alpinos na Suíça.
Uma variante do sistema criado pelo grupo do professor Cesare Alippi pode ser usado em diferentes contextos geológicos.
Os problemas da ocupação irregular do solo não são uma exclusividade das favelas nos morros.
"Uma parede pode ser preocupante quando está sobre uma cidade ou uma estrada, uma ferrovia, uma infraestrutura qualquer. É um problema grande no arco alpino pois o homem criou cidades onde encontrava espaço, ou seja, aos pés das montanhas... por outras razões nasceram as favelas sobre as colinas. Depois dizem...'ops, aqui estão caindo pedras'...sim, mas a montanha estava ali bem antes", disse Alippi.
No caso alpino, as fendas estão muito sujeitas à erosão e ao rigor das estação do inverno. O ciclo de gelo e degelo da água e a força da gravidade influenciam muito os movimentos da montanha. E as chuvas, tais como no Brasil, são um problema maior.
"Quando chove tudo fica mais crítico. A água ocupa o espaço das fendas, faz pressão, e a montanha responde. Durante o inverno, a formação de gelo nas fendas provoca microrrupturas que estão muito a mercê das condições atmosféricas", analisa o pesquisador.
No caso das encostas brasileiras, o problema é menos visível do que a rachadura numa parede de montanha por causa da cobertura vegetal.
"O sistema de coleta e a interpretação de dados deverá levar em conta, não apenas a quantidade de chuva que cai mas também outras variantes como a quantidade de água dentro da terra, no subsolo, além da colocação de sensores capazes de avaliar os mínimos movimentos de inclinação do terreno e da rocha."
Quanto maior o peso do lençol de água, pior é a situação. As informações, elaboradas em tempo real, podem fazer a diferença entre a vida e a morte.
Fonte: Site G1